Como foram os ciclos regionais do cinema brasileiro (1920-1940)?
Antes que existisse uma produção contínua e articulada, o cinema brasileiro surgiu de iniciativas isoladas espalhadas por diferentes regiões do país. Esses ciclos regionais eram fases curtas de atividade intensa, sustentadas por produtores locais que lidavam com poucas fontes de financiamento, ausência de estúdios permanentes e um mercado dominado por obras estrangeiras.
O ciclo de Cataguases, em Minas Gerais, entre 1926 e 1929, tornou-se o mais influente. Liderado por Humberto Mauro, desenvolveu um cinema com domínio técnico raro no período, integrando referências europeias ao cotidiano interiorano. Embora produzido depois do auge do ciclo, o longa “Ganga Bruta” (1933) sintetiza sua maturidade estética, com estrutura de melodrama e uso expressivo da imagem.
O Recife concentrou o ciclo mais volumoso, entre 1923 e 1931. Edson Chagas e Gentil Roiz realizaram cerca de treze longas, em que melodramas e narrativas regionais ganhavam força. “Aitaré da Praia” (1925) costuma ser reconhecido como o ponto alto.
Campinas, Pelotas, Porto Alegre e outras cidades também tiveram fases próprias, ainda que com menor produção. Todas evidenciavam que, desde cedo, havia desejo cinematográfico distribuído pelo país. A chegada do som no início dos anos 1930 encerrou esses ciclos, já que a tecnologia exigia investimentos impossíveis para pequenas equipes.
O que foi a chanchada e qual sua importância?
A chanchada consolidou-se entre os anos 1930 e o início dos anos 1960 como principal formato popular do cinema brasileiro. Era marcada por comédias musicais, sátiras, paródias de filmes estrangeiros e ambientação ligada ao imaginário urbano do Rio de Janeiro. Por muito tempo desvalorizada pela crítica, cumpriu um papel central ao dialogar com o público de forma direta e oferecer entretenimento acessível.
Os estúdios Atlântida e, mais tarde, Herbert Richers estruturaram o gênero. Suas narrativas costumavam acompanhar personagens comuns vivendo confusões, romances e encontros cômicos, intercalados por números musicais e participações de artistas do rádio.
Oscarito e Grande Otelo formaram a dupla mais emblemática, presentes em títulos como “Matar ou Correr” (1954) e “De Vento em Popa” (1957). Outros nomes como Dercy Gonçalves, Zé Trindade e Ankito também contribuíram.
Apesar do clima leve, muitas chanchadas incluíam críticas indiretas às desigualdades, às instituições e à elite. O gênero perdeu espaço no início dos anos 1960, quando o Cinema Novo passou a dominar o debate cultural. Hoje, sua relevância histórica é amplamente reconhecida.
Qual foi o papel dos Trapalhões no cinema brasileiro?
Entre 1975 e 1995, Os Trapalhões tornaram-se o maior fenômeno de público do cinema nacional. Didi, Dedé, Mussum e Zacarias levaram ao cinema o humor televisivo que já era sucesso, combinando comédia física, paródias e estratégias comerciais que incluíam produtos licenciados.
Filmes como “Os Trapalhões na Guerra dos Planetas” (1978), “Os Trapalhões e o Rei do Futebol” (1986) e “Os Trapalhões no Reino da Fantasia” (1985) reuniram milhões de espectadores, garantindo recursos essenciais para a indústria em um período de instabilidade.
O grupo representou um modelo de cinema comercial voltado ao público familiar, em contraste com produções autorais. Seu legado inclui formação de público e demonstração de que o cinema nacional podia competir na arena do entretenimento de massa.
O que foi o Cinema Novo?
O Cinema Novo, surgido no começo dos anos 1960, tornou-se o movimento mais influente da história cinematográfica brasileira. Inspirado por experiências estrangeiras como o neorrealismo e a Nouvelle Vague, defendia filmes politicamente engajados, formalmente inventivos e conectados à realidade social do país.
Glauber Rocha destacou-se como principal referência teórica e estética. Em “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964) e “Terra em Transe” (1967), articulou alegorias políticas, composição visual intensa e crítica às estruturas de poder. Sua reflexão conhecida como “Estética da Fome” argumentava que a precariedade material poderia ser fonte de expressão artística potente.
Nelson Pereira dos Santos, pioneiro do movimento, realizou “Vidas Secas” (1963), marcado por rigor formal e foco humanizado nas personagens sertanejas. Em “Como Era Gostoso o Meu Francês” (1971), explorou a história colonial por meio de sátira e antropofagia cultural.
Outros cineastas fundamentais incluem Ruy Guerra, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman e Carlos Diegues. O Cinema Novo costuma ser dividido em três fases: a primeira, mais observacional e ligada ao sertão; a segunda, após 1964, mais alegórica; e a terceira, no fim dos anos 1960 e início dos anos 1970, permeada pelo clima tropicalista. O movimento perdeu força com o avanço da censura, mas consolidou projeção internacional inédita para o cinema brasileiro.
O que caracterizou o Cinema Marginal?
O Cinema Marginal, também chamado Udigrúdi, surgiu no final da década de 1960 como reação crítica ao Cinema Novo e ao endurecimento da ditadura militar após o AI-5. Seus filmes adotavam postura provocadora, rompendo com padrões narrativos e formais.
As produções exploravam violência gráfica, sexualidade explícita, humor irreverente, experimentação radical e narrativas fragmentadas. O objetivo não era oferecer consolo ou identificação, mas tensionar a relação com o espectador.
Rogério Sganzerla lançou “O Bandido da Luz Vermelha” (1968), que misturava referências da cultura popular e montagem veloz. Júlio Bressane levou a radicalidade ainda mais longe em filmes como “Matou a Família e Foi ao Cinema” (1969). Andrea Tonacci, Ozualdo Candeias e Carlos Reichenbach também integraram essa vertente.
Por ser um cinema de baixo orçamento e circulação limitada, o movimento durou pouco, mas influenciou gerações posteriores ao revelar outra possibilidade estética para o audiovisual brasileiro.
Qual foi o papel da Embrafilme?
Criada em 1969 e ampliada ao longo dos anos 1970, a Embrafilme se tornou o principal órgão de financiamento, produção e distribuição do cinema nacional. Sob a gestão de Roberto Farias, estruturou um sistema de apoio que abrangeu reserva de mercado, coproduções e distribuição nacional.
Nesse período, a produção brasileira cresceu em quantidade e diversidade. Grandes sucessos de público, como “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1976), conviveram com obras autorais e filmes experimentais. Contudo, críticos apontavam dependência excessiva da estatal e falta de transparência em critérios de seleção.
A extinção da Embrafilme em 1990, durante o governo Collor, provocou desorganização profunda. A produção caiu abruptamente e parte da cadeia industrial deixou de existir. A experiência passou a orientar debates sobre políticas públicas do setor.
Como foi a crise dos anos 1980 e 1990?
Os anos 1980 combinam avanços e retrocessos. Ainda surgiram obras importantes, como “Pixote” (1980) e “Bye Bye Brasil” (1980). Entretanto, a crise econômica, a inflação e a competição com o vídeo doméstico fragilizaram a indústria. A Embrafilme enfrentou cortes, e laboratórios e salas foram perdendo capacidade de operação.
O início da década de 1990 marcou o ponto mais crítico. Além da extinção da Embrafilme e de órgãos reguladores, o financiamento público desapareceu. Entre 1990 e 1992, o país lançou pouquíssimos filmes. A descontinuidade de políticas e o colapso da infraestrutura afetaram toda a força de trabalho do setor. A crise levou à reflexão sobre modelos de sustentabilidade que combinassem participação estatal e capacidade de mercado, sem depender exclusivamente de nenhum dos dois.
Como foi a Retomada nos anos 1990?
A Retomada teve início a partir de 1995, impulsionada pela Lei do Audiovisual e pela Lei Rouanet. Esses mecanismos permitiram captação via renúncia fiscal, reorganizando a produção nacional. Apesar de problemas como concentração de recursos, o modelo viabilizou o renascimento do setor.
“Carlota Joaquina” (1995) marcou simbolicamente o retorno, mas “Central do Brasil” (1998), de Walter Salles, consolidou a recuperação ao obter repercussão internacional expressiva. A Retomada trouxe diversidade de gêneros, renovação técnica e novos diretores, entre eles Karim Aïnouz, Fernando Meirelles e Beto Brant.
O período atingiu ápice com “Cidade de Deus” (2002), que alcançou grande reconhecimento global e demonstrou que o cinema brasileiro podia competir com grandes produções internacionais em qualidade narrativa e técnica.
Como é o cinema brasileiro contemporâneo (pós-2010)?
Desde 2010, o cinema brasileiro ampliou diversidade temática e geográfica. Novos polos criativos surgiram, com destaque para Recife, onde Kleber Mendonça Filho desenvolveu filmes como “O Som ao Redor” (2012), “Aquarius” (2016) e o premiado “Bacurau” (2019), codirigido com Juliano Dornelles.
A produção recente abrange debates sobre gênero, raça, povos originários, meio ambiente e transformações sociais. Diretoras como Anna Muylaert, Petra Costa e Laís Bodanzky ganharam presença consistente. O documentário também se fortaleceu, alcançando reconhecimento internacional, como no caso de “Democracia em Vertigem” (2019).
As plataformas digitais alteraram profundamente distribuição e financiamento, criando oportunidades e desafios regulatórios. A partir de 2019, o setor enfrentou pressões políticas e orçamentárias, incluindo tentativas de censura e redução de investimentos. Nos anos seguintes, políticas de reconstrução voltaram ao debate público.
Quais são as principais premiações do cinema brasileiro?
O Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, promovido pela Academia Brasileira de Cinema desde 2000, é a principal premiação nacional. Festivais como Gramado (desde 1973) e Brasília (desde 1965) desempenham papel central na revelação de novos realizadores.
A APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) distingue produções e profissionais desde 1956. No cenário internacional, o cinema brasileiro obteve marcos relevantes: Fernanda Montenegro recebeu indicação ao Oscar por “Central do Brasil”; “Cidade de Deus” obteve quatro indicações; “O Pagador de Promessas” venceu a Palma de Ouro; e “Orfeu Negro” recebeu o Oscar de melhor filme estrangeiro.
Referências:
Cinemateca Brasileira: http://www.cinemateca.gov.br/
ANCINE – Agência Nacional do Cinema: https://www.gov.br/ancine/
Abraccine – Associação Brasileira de Críticos de Cinema: https://www.abraccine.org/
Festival de Gramado: https://www.festivaldegramado.net/